PROCURANDO O TOURO
O touro,
na realidade, nunca foi perdido. Então, por que procurá-lo? Tendo dado as
costas à sua verdadeira natureza, o homem não pode vê-lo. Por causa de suas
ilusões, ele perdeu o touro de vista. Repentinamente, se acha confrontado por
um labirinto de encruzilhadas. Desejos de ganhos e medos de perdas sobem como
chamas; idéias de certo e errado aparecem como punhais.
“Desolado
através da floresta, com medo, nas selvas, ele procura o touro e não encontra.
Para lá e para cá, grandes rios sem nome;
nas profundezas dos ermos das montanhas ele segue muitas veredas.
Cansado de coração e corpo, continua sua busca por aquilo que não pode ainda
encontrar.
De tardinha, ouve as cigarras cantando nas árvores.”
ENCONTRANDO A PISTA
Através
dos sutras e ensinamentos, ele vislumbra as pegadas do touro. Foi informado
que, assim como diferentes vasos (de ouro) são todos basicamente do mesmo ouro,
assim também cada coisa é uma manifestação do próprio ser. Mas ainda é incapaz
de distinguir o bem do mal, a verdade da falsidade. Não entrou ainda pelo
portão, mas vê, numa tentativa, a pista do touro.
“Inumeráveis
pegadas ele viu na floresta e nas margens das águas.
Não é aquilo que ele vê adiante, mato amassado?
Mesmo nas mais profundas grotas ou nos mais altos picos,
não pode ser escondido o nariz do touro que alcança para os céus nas alturas.”
PRIMEIRO VISLUMBRE DO TOURO
Se ele
somente escutar os sons de cada pegada, virá à realização e, naquele instante,
verá a própria origem. Os seis sentidos não são diferentes desta verdadeira
origem. Em todas as atividades a origem está manifestadamente presente. E
análoga ao sal na água, à liga na tinta. Quando a visão interna está
corretamente focada, realiza-se, que o que é visto é idêntico á origem.
“Canta o
rouxinol num galho
o sol brilha nos salgueiros que ondulam;
ali está o touro, onde poderia esconder-se?
A esplêndida cabeça, os majestosos chifres,
que artista pode retratá-lo?”
SEGURANDO O TOURO
Hoje ele
encontrou o touro que estava vadiando pelos campos selvagens. E verdadeiramente
o pegou. Por tanto tempo se comprazeu nestes arredores que quebrar seus velhos
hábitos não é fácil. Continua querendo o capim cheiroso, está ainda indócil e
teimoso. Para domesticá-lo, completamente, o homem deve usar o chicote.
“Ele deve
segurar firmemente a corda e não soltar
agora ele corre para as terras altas
agora demora-se nas ravinas enevoadas.”
DOMESTICANDO O TOURO
Com o
nascimento de um pensamento, outro e outro mais nascem também. A iluminação
traz à realização, pois estes pensamentos são irreais, já que não surgem de
nossa verdadeira natureza. Somente porque a ilusão permanece, são os
pensamentos tidos como reais. Este estado de ilusão não se origina no mundo
objetivo, mas em nossas próprias mentes.
“Ele deve
segurar o touro com força pela corda do nariz
e não permitir que vague sem cuidado.
Ele se torna limpo e claro. Sem cabrestos,
segue o dono por sua própria vontade.”
INDO PARA CASA MONTADO NO TOURO
A luta
acabou, “ganho e perda” não mais afetam. Ele murmura canções rústicas dos
montanheses e toca as cantigas simples da meninada da aldeia. Montado no lombo
do touro, olha serenamente as nuvens que passam. Sua cabeça não se vira (na
direção das tentações). Tente-se, como quiser, aborrecê-lo, e ele permanece
imperturbável.
“Usando
um grande chapéu de palha e capa,
montado e tão livre quanto o ar,
ele alegremente vem para a casa através das neblinas do entardecer.
Aonde quer que vá, cria a brisa fresca,
enquanto que no coração prevalece a profunda tranqüilidade.
O touro não requer nem um talo de capim.”
O TOURO ESQUECIDO, O EU SOZINHO
No dharma
não há duas coisas. O touro e sua natureza original. Isso ele reconhece agora.
A armadilha não é mais necessária quando o coelho foi capturado, a rede se
torna inútil quando o peixe foi apanhado. Como o ouro separado da escória, como
a Lua que apareceu entre as nuvens, um raio de luz brilha eternamente.
“Somente
com o touro ele pode chegar a casa
mas agora o touro desapareceu e só e sereno senta o homem.
O sol vermelho passa alto no céu enquanto ele sonha placidamente.
Lá embaixo do telhado de sapé jazem, sem uso, chicote e corda.”
O TOURO E O EU SÃO ESQUECIDOS
Sumiram
todos os sentimentos ilusórios e desaparecidas estão também as idéias de
santidade. Ele não se demora (no estado de “eu sou um Buda”) e passa rápido
(pelo estado de “e agora me livrei do orgulhoso sentimento de ser”) para não
Buda. Mesmo os mil olhos (dos quinhentos Budas e patriarcas) não podem
discernir nele qualquer qualidade específica. Se centenas de pássaros jogassem
flores por sua casa, ele só se sentiria envergonhado.
“Chicote,
corda, touro e homem pertencem igualmente ao vazio.
Tão vasto e infinito é o céu azul que não há conceitos que o alcancem.
Sobre o fogo flamejante o floco de neve se funde.
Quando este estado é realizado chega finalmente a compreensão do espírito dos
antigos patriarcas.”
VOLTANDO A ORIGEM
Desde o
começo, nunca houve nem um grão de poeira (para bloquear a pureza intrínseca).
Ele observa o crescer e decrescer das coisas do mundo, enquanto permanece sem
esforço, num estado de tranqüilidade inalterável. Isto (o crescer e decrescer)
não é ilusório nem fantasmagórico (mas a manifestação da origem). Por que,
então, é preciso lutar por algum objetivo? As águas são azuis e as montanhas
verdes. A sós, consigo mesmo, ele observa o mudar sem fim das coisas.
“Ele
voltou à origem, retornou à fonte primeira.
mas seus passos foram em vão.
E como se agora estivesse surdo e cego.
Sentado em sua palhoça, não procura coisas de fora;
fluem de si mesmas as águas correntes,
flores vermelhas desabrocham naturalmente vermelhas.”
ENTRANDO NA PRAÇA DO MERCADO
O portão
de sua palhoça está fechado. Nem o mais sábio pode encontrá-lo. O seu panorama
mental finalmente desapareceu. Ele vai no seu próprio caminho, não fazendo
tentativa alguma de seguir os passos dos antigos mestres. Carregando uma
garrafa, passeia pelo mercado; apoiado num bordão, volta para casa. Conduz os
donos de botequins e peixarias ao caminho de Buda.
“De peito
nu e descalço, dá entrada no mercado enlameado e coberto de poeira;
como sorri amplamente
sem recorrer a poderes especiais
faz com que as árvores ressequidas floresçam novamente.”
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